quinta-feira, 25 de agosto de 2011

PL 1876/1999

As implicações do novo Código
Florestal na Baixada Santista
Das ocupações dos morros ao prejuízo das matas e florestas da
região, a revisão do Código Florestal pode legalizar e facilitar a tomada de
decisões sobre as áreas de preservação ambiental

Vinícius Mauricio*

Parece que o calor das discussões sobre a reforma do Código Florestal brasileiro não aquece em nada o cotidiano da Baixada Santista. Mas só deveria parecer. Na realidade, a alteração do Projeto de Lei (PL) 4.771, de 23 de janeiro de 1934, e de leis complementares, deve ser motivo de preocupação para os cidadãos e políticos da região. Isso porque, se aprovado, vai facilitar o desmatamento das Áreas de Preservação Permanente (APP), como florestas e matas ciliares, além da ocupação das encostas dos morros para moradia.

Segundo a consultora da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e professora do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Santos, Maria Luiza Machado Granziera, o PL do Código Florestal é vago em relação às possíveis influências na Baixada Santista.

Ela comenta que, no novo Código, cria-se um Programa de Regularização Ambiental (PRA), que permite a consolidação do uso das APPs, sem nenhuma limitação expressa no texto. Para a consultora, tecnicamente, o projeto de lei é falho e confuso, o que, na opinião de Maria Luiza, beneficiará o desmatamento e não a proteção da biodiversidade local.

 “Entendo que esse processo deve ser suspenso e devidamente apresentado à sociedade brasileira, de forma objetiva e sem maniqueísmos. A negociação, prática da sociedade civilizada, perdeu lugar para uma guerra entre ruralistas e ambientalistas em que o grande perdedor é a sociedade brasileira e a democracia. O tema é importante para o País e poucas pessoas tiveram acesso à informação”, afirmou a consultora.

Para ela, a sociedade não foi chamada para a discussão. E a questão da anistia (anulação da punição para quem desmatou), de acordo com Maria Luiza, precisa ser repensada:

“É preciso decidir, por exemplo, em que termos se pretende dar anistia para quem desmatou. Afinal, quem ganha com a anistia? Parece-me que apenas quem desrespeita a lei. Essa sistemática é contrária à democracia. A anistia ao desmatador só privilegia a ilegalidade, não beneficia o desenvolvimento do País”, critica a consultora.

Meio urbano – Nas cidades da região, o PL deve favorecer a expansão habitacional nos morros. A engenheira agrônoma especialista em áreas de proteção ambiental Claudia Vera Bellem Soukup afirma que o Código em vigor é ótimo, mas mal gerido, pois não tem fiscalização.


No detalhe, pé do morro da Cachoeira, em Guarujá, sendo ocupado
 “Não deveria de haver mudança, é somente uma desculpa para a expansão agrícola e habitacional. Se aprovado, estarão legalizando o crime. As invasões a áreas de proteção e de risco, na Baixada Santista, só crescem. Há dificuldade em controlar e nossas florestas e morros estão à mercê”, justificou a engenheira.

Claudia comenta que, com o Novo Código, pode ficar mais fácil a ocupação, e os invasores passam a ter uma justificativa legal para tomarem os morros. “Nós corremos o risco de assistir a um péssimo espetáculo como aconteceu na região serrana do Rio de Janeiro”.

E não precisa buscar maus exemplos muito longe, o professor da pós-graduação em Gestão Ambiental da Universidade Santa Cecília e secretário de Meio Ambiente de Guarujá, Elio Lopes, lembra da tragédia que ocorreu na cidade:

“Acredito que o novo Código não deva ser aprovado dessa forma, uma vez que a sociedade brasileira não foi ouvida. Pode acontecer o que ocorreu com a comunidade do morro da Glória, na década de 70. Devido à infiltração de água da chuva em excesso no solo do morro, houve deslizamento e as famílias foram obrigadas a saírem do local, na época. Até agora temos preocupação. Se aprovado, vamos ter que dar licença para essas pessoas ocuparem lugares como esses”, analisa Lopes.

A solução, para Claudia, é fazer projetos nos morros como o de desocupação da Serra do Mar, do governo Estadual. Enquanto que o professor de Gestão Ambiental pensa que precisam ocorrer manifestações civis e políticas na região contra a aprovação do Código. “Devemos nos unir, solicitar audiências públicas nas Câmaras, realizar conversas entre as autoridades políticas da região e tomar parte nas discussões”.

Meio Ambiente e Ciência – No centro das discussões, a temática ambiental joga mais brasa nas animosidades. Ambientalistas do Brasil e do mundo se manifestaram contra a reforma do Código Florestal brasileiro, nos ditames que foi escrito.

Para Lopes, diferente das leis dos homens, as leis da natureza não são corrompidas: “Em todas as perícias técnicas que fiz, a ganância é um dos meus componentes de análise que aparece em todos os laudos. Com a aprovação do Código, haverá um caos ambiental, com problemas que atingirão inclusive o próprio ser humano, o agressor deve ser agredido”.

Já a engenheira agrônoma revela, ainda, que a revisão do Código Florestal se agrava, caso choque com a revisão do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. Ela explica que as cidades da costa brasileira, inclusive as da Baixada Santista, estão discutindo com a sociedade civil um planejamento econômico-ecológico para apresentar, até o final do ano. Esse plano sistematiza os limites de expansão de cada cidade – “Nas discussões do Código, devemos favorecer a discussão do Gerenciamento, para que não haja desencontro de leis a serem cumpridas”.


Helena Nader, presidente da SBPC
Enquanto isso, ambientalistas e sociedade civil organizada se uniram por uma revisão “verde” do Código Florestal, com a criação do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, e os cientistas lançam suas cartas à mesa.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) se reuniram para apresentar pesquisas à Câmara Federal, quando da tramitação do PL na casa. Já no Senado, tanto o deputado Aldo Rebelo (PCdoB), que apresentou a proposta de alteração de lei, quanto os representantes das entidades científicas brasileiras terão a oportunidade de apresentar suas opiniões aos congressistas.

Os cientistas devem expor dados referentes a estudos realizados, de forma a contribuir na revisão do Código. Esses estudos, em linhas gerais, favorecem o aumento da produtividade agropecuária em território já utilizado, a transformação de áreas degradadas pela atividade agrícola em reservas legais e a compensação àqueles que preservam os ecossistemas.

Intitulado de O Código Florestal e a Ciência – Contribuições para o Diálogo, o estudo apontou dados importantes, como os relacionados às APPs.

No Senado, a presidente da SBPC, Helena Nader, disse que a análise feita pelos cientistas foi realizada longe de vínculos com o agronegócio, com movimentos ambientalistas ou partidos políticos. Além disso, explicou Helena, a proposta final é resultado da contribuição de cientistas de diversas áreas e busca a harmonia entre crescimento econômico, preservação do meio ambiente e desenvolvimento humano.

Segundo outros estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a aprovação do novo Código será um passo para trás na emissão de gases que agravam o efeito estufa. Indo na contramão das metas internacionais assinadas pelo Brasil, em Copenhague, em 2009, para a redução de emissões desses gases, estima uma quantidade aproximada de 18 a 25 bilhões de toneladas de gases seja lançada à atmosfera.

Código antigo X Novo Código – Quando foi aprovado, em 1934, o Código entrou em vigor em um ambiente diferente do que o Brasil se encontra atualmente. O Código de 1934 considera APPs, entre outros, as florestas, margens de cursos e massas de água, nascentes, mangues topos e encostas de morros com declive superior a 45 graus.

E prevê, em caso de retirada da vegetação, a necessidade de um licenciamento ambiental e a compensação da área desmatada. Também devem ser preservadas áreas de reservas legais, dentro de propriedades privadas, como fazendas, de forma a não interferir na vida de espécies animais e vegetais.

A revisão do Código, apresentada pelo deputado Aldo Rebelo, foi aprovada pelos deputados, em maio, com emendas (alterações) de última hora ao Projeto de Lei 1876/1999. O PL é o principal assunto a tramitar no Senado neste semestre, movimentando a casa, que parece querer conciliar as opiniões contrárias, colaborando no incentivo à ocupação sustentável das áreas em questão.
Site da Agência Senado sobre o Código Florestal

A ideia da bancada a favor do novo Código, a chamada bancada ruralista, é entregar a PL à presidenta da República para aprovação até o final deste ano. Porém, os cientistas e ambientalistas brasileiros travam um verdadeiro embate para que a revisão seja melhor pensada, com estudos e pesquisas de impactos econômicos e ambientais, já que a proposta ruralista favoreceria a expansão do agronegócio.

Entre as propostas do novo Código estão a de transferir da União para os Estados a competência de legislar sobre a permissão para atividades agropecuárias em áreas de preservação ambiental e a anistia dos produtores rurais que desmataram suas reservas obrigatórias.

Cidadania na rede - Enquanto a revisão do Código atual não sai, os brasileiros podem acompanhar as notícias e debates em torno do projeto, no site que a Agência Senado e os veículos de comunicação do Governo desenvolveram, com informações em áudio, vídeo e texto.  A página, hospedada no Portal do Senado, chama-se “Reforma do Código Florestal” e tem à disposição entrevistas, opiniões e infográficos que ajudam no entendimento do assunto: http://www12.senado.gov.br/codigoflorestal. Também o cidadão pode acessar o Projeto de Lei, no site da Câmara dos Deputados.

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