quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Cuidado!

Você pode estar comendo um
cação em perigo de extinção
Estudo de pesquisador do Instituto de Pesca de Santos revela que a comercialização desse tipo de peixe compreende, na realidade, diversas espécies diferentes de tubarões, todos identificados indiscriminadamente como cação
Vinícius Mauricio*

Imagine um prato de cação ao molho, fumegando de quente. Não é só gostoso, é também saudável, pois é rico em Ômega 3, gorduras importantes para o bom funcionamento do organismo. Mas o gosto não fica diferente ao se comer uma espécie em perigo de extinção. O cação, nome popular dado a alguns tubarões, vendido nos mercados e feiras pode ser um tipo proibido para pesca e comercialização. E o consumidor pouco pode fazer, já que a fiscalização ainda é crua no País. 

Estudando o DNA das espécies de tubarões do gênero Carcharinus, pescados na região Sudeste e Sul do Brasil, que desembarcaram em Santos, em três barcos atuneiros (pescam atum), entre 2009 e 2011, o biólogo marinho e mestrando pelo Instituto de Pesca de Santos, Rodrigo Rodrigues Domingues, chegou à conclusão que o cação vendido indiscriminadamente era, na realidade, seis espécies diferentes de animais, de dois gêneros distintos (ver boxe explicativo sobre espécies).
Sendo que um deles é protegido (ou deveria ser) por lei Federal, por estar em perigo de extinção, o tubarão toninha, ou Carcharhinus signatus. Foram, ao todo, 317 animais analisados. A análise se deu por intermédio do DNA, já que os animais apresentam características físicas muito semelhantes. 
Tubarão toninha, espécie protegida por lei
Acontece que as espécies apresentam características morfológicas (similaridades físicas) aparentes e quando desembarcam não dá para destinguir uma da outra. No mercado nacional, os maiores indivíduos são discriminados apenas como cação-baía (espécies do gênero Carcharhinus) e os menores, cação-machote. “Não há identificação por espécie para o consumidor saber”, relata o pesquisador.


“Os tubarões são altamente apreciados no mercado asiático. No oriente, as pessoas costumam comer as nadadeiras dos animais, pois acreditam ser um alimento afrodisíaco. No Brasil, a carne de cação é bastante consumida”, revela o pesquisador.

O que ocorre é que os pescadores de atum, quando vão para alto mar, também acabam capturando tubarões. Os pescadores fazem retiram as nadadeiras, a cabeça e as víceras, ficando só a carcaça, ou charuto, que é vendido como cação. Esses tubarões são cosmopolitas, podendo ser encontrados nas águas dos oceanos Pacífico, Índico e Atlântico.
Charuto de cação
Domingues explica que analisar apenas a carcaça dos tubarões para definir de quais são as espécies é como se tivesse um crime para solucionar, em que três irmãos gêmeos são mortos e só são encontrados vestígios deles. O pesquisador precisa, através da análise do DNA retirada de cada um dos vestígios, identificar quem é quem dos irmãos. O método pode ser utilizado por pesquisadores do mundo todo.

Apesar de a pesquisa ainda não ter sido publicada, foi apresentada no último encontro da Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios (SBEEL), que estuda tubarões e raias, em agosto de 2011, no Rio Grande do Sul. A pesquisa também contou com a colaboração dos pesquisadores Alberto Ferreira Amorim, Alexandre Hilsdof e Mahmood Shivji.

Fiscalização - A gestão só se faz em nível de espécies, explica o pesquisador, por isso, é importante definir que espécies são. Mas, comenta ele, não há profissionais suficientes para monitorar o desembarque e, mais que isso, analisar as carcaças em laboratório exige investimento em pesquisa. “Apesar desse custo ter barateado, ainda é caro fazer isso”, afirma Domingues.
Quando consegue se definir as espécies e a fiscalização acontece, é possível aplicar medidas protecionistas e até autuar quem pesca e comercializa animais ameaçados. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor prevê que seja discriminada a origem e a espécie do animal que está sendo comprado. A lei protege os consumidores, o meio ambiente e até mesmo os supermercados, já que não permite a venda de produtos de origem duvidosa ou ilegal.
“O consumidor pode exigir seu direito, ao comprar um cação, e, com isso, ajudar para que espécies não sejam dizimadas. Além disso, as organizações não-governamentais podem colaborar na fiscalização”, sugere o pesquisador.
O pesquisador Rodrigo Rodrigues Domingues

Foi como fez o Instituto de Justiça Ambiental (IJA), que enviou ofícios ao Walmart e Carrefour solicitando informações e esclarecimentos sobre a comercialização de filés de cações em dois estabelecimentos de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O IJA moveu ação judicial contra as redes de supermercados, no estado, pela venda indiscriminada de espécies de tubarões.
Em segunda ação judicial, o IJA entrou com pedido liminar contra os supermercados, incluindo como réu a União e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. E entrou com pedido de ação civil pública contra os supermercados, a Fundação Estadual de Pesquisa Ambiental (Fepam) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).
Foi solicitada a imediata colocação de selos de identificação da espécie de cação nas embalagens, ou a retirada dos produtos até que fossem indicadas as espécies comercializadas. O IJA se baseia na Instrução Normativa nº 5 do Ministério do Meio Ambiente, a qual lista 17 espécies de cações e tubarões ameaçados de extinção. Esses animais ocupam o topo da cadeia alimentar marinha e estão seriamente ameaçados de desaparecer, no Brasil e no mundo.
Barco atuneiro
Procurado para esclarecer como acontece a fiscalização do cação na Baixada Santista, durante duas semanas em conversas por telefone e via internet, o Ibama, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, não quis se manifestar. A assessoria de imprensa alegou que precisava de autorização e a pessoa que a concedia não podia ser contatada, durante o período de conversação.
Tubarões – são peixes cartilaginosos, mais suscetíveis à extinção que os peixes ósseos. Enquanto os peixes ósseos, como a sardinha, chegam à maturidade rápida e produzem uma prole grande, já que liberam milhares de ovos na água. Os cartilaginosos costumam ter crescimento lento, com maturação tardia e têm uma prole razoavelmente pequena, se comparados aos ósseos (algumas espécies de cartilaginosos chegam a ter um filhote por ninhada). Entre as espécies encontradas no estudo do pesquisador do Instituto de Pesca estão o Carcharhinus falciformis (lombo preto), Carcharhinus signatus (tubarão toninha), Carcharhinus limbatus (galha preta), Carcharhinus plumbeus, Carcharhinus brachyurus e o Isurus paucus (anequim preto).



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